Retomada pelo STF no Rio, proibição de despejo por inadimplência divide o mercado imobiliário
A decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), de restabelecer a proibição de despejos por inadimplência em todo o estado do Rio, no dia 29 de dezembro, ainda divide opiniões no mercado imobiliário. De um lado, há quem defenda que a medida prejudica de antemão todos os proprietários que estão com pagamentos atrasados. De outro, argumenta-se que se trata de uma questão de saúde pública, para evitar que famílias fiquem desalojadas em plena pandemia do coronavírus.
A liminar concedida a pedido da Defensoria Pública do Estado, que restabeleceu a vigência da Lei Estadual 9.020/2020, é o capítulo mais recente de um vaivém de medidas legislativas e jurídicas sobre o tema, que também chegou a ser tratado em âmbito nacional .
Beatriz Cunha, subcoordenadora Cível da Defensoria Pública do Rio, explica que a suspensão de despejos atende a uma recomendação da própria Organização Mundial de Saúde (OMS). A defensora acrescenta que a atitude também foi tomada em diversos países do mundo nessa pandemia, como os Estados Unidos e a França.
— O cumprimento de ordens de despejo, em geral, geraria deslocamento de pessoas e maior risco de contaminação e transmissão do Covid-19 — afirmou Cunha.
O advogado Raphael Gouvêa Vianna, especialista em Direito Imobiliário, faz a mesma avaliação. Para ele, a decisão do STF foi acertada.
— Privilegiou o direito à saúde e a questão sanitária em detrimento das discussões privadas, dentre elas as locações. Fundamentou-se unicamente no perigo e nas consequências ruins que podem ser geradas com inúmeros despejos — explicou Vianna.
Para o advogado André Luiz Junqueira, também especialista do setor, a lei estadual é injusta e ilegal por trazer enorme desequilíbrio às relações contratuais:
— Não vejo a lei como absurda, mas como uma solução genérica para todos os casos que pode, sim, gerar absurdos. O próprio Judiciário poderia dar uma solução específica para cada situação.
Junqueira diz que entende o “espírito protetivo” da lei , mas faz objeções:
— Acho que a dose do remédio foi muito forte. O julgador de cada caso tem acesso a muito mais elementos para chegar à justiça do que o legislador colocando no papel.
Mais de 70% têm só um imóvel para alugar
Segundo um levantamento feito pelo Sindicato da Habitação (Secovi Rio) e pela Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), logo no início da pandemia, 76,7% dos proprietários de imóveis na cidade do Rio têm apenas uma unidade para locação. Com base nisso, Pedro Wähmann, presidente do Secovi Rio, também defende que cada caso deveria ser apreciado pela Justiça.
— Muitos locadores pouparam para ter a renda de um aluguel até como uma aposentadoria e, portanto, dependem unicamente dela ou contando com ela como rendimento complementar — diz.
Os despejos estão proibidos em todo o território fluminense, enquanto durar o estado de emergência decorrente da pandemia, o que, segundo o Decreto 47.428, vai até o dia 1º de julho de 2021. Há, porém, chance de a liminar do ministro Ricardo Lewandowski ser revista, uma vez que o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ainda vai julgar o mérito da reclamação feita pela Defensoria Pública do Rio. A questão é que ainda não há uma data para que o tema entre na pauta de julgamentos da Corte.
Em relação às indenizações que os proprietários possam pleitear do Estado na Justiça, os advogados André Luiz Junqueira e Raphael Vianna afirmam que as chances de sucesso são praticamente nulas.
LINHA DO TEMPO DAS MEDIDAS LEGISLATIVAS E JUDICIÁRIAS SOBRE OS DESPEJOS:
10 de Junho de 2020 – O presidente Jair Bolsonaro sanciona a Lei 14.010/2020, mas veta o artigo 9º, que proibiu execução de ações de despejo durante a pandemia20 de agosto – A Câmara dos Deputados derruba o veto do presidente, logo após o Senado Federal fazer o mesmo, reincluindo a proibição de despejos na Lei Federal9 de setembro – A Lei 14.010/2020, após a derrubada dos vetos, é publicada no Diário Oficial da União. A partir de então, todas as ações de despejo, em todo o país, ficam suspensas até o dia 30/10/202022 de setembro – No estado do Rio, deputados derrubam o veto do governador Cláudio Castro ao Projeto de Lei 2.022/2020, que suspende todos os mandados de despejo durante todo o período de emergência decorrente do novo coronavírus25 de setembro – Após a derrubada do veto, a Lei estadual 9.020/2020 é promulgada e publicada no Diário Oficial19 de novembro – A pedido da Associação de Magistrados do Rio de Janeiro (AMAERJ), o Tribunal de Justiça do Rio suspende a Lei 9.020/2029 de dezembro – Após Reclamação da Defensoria Pública do Estado do Rio, o ministro Ricardo Lewandowski (STF) restabelece a vigência da lei e, com isso, a proibição dos despejos no estado do Rio até a votação pelo plenário da Corte, que, mesmo após a volta do recesso, no dia 1º de fevereiro, não tem data para acontecer.
Fonte: O Globo