Especialistas apontam novas formas de investir no mercado imobiliário
Alguns dos mais relevantes empresários da construção, agentes financeiros, advogados e analistas de investimento do Brasil se reuniram em São Paulo, na segunda-feira (17), para discutir o potencial de crescimento do crédito imobiliário nacional diante da perspectiva de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), de uma inflação sob controle e de juros básicos no menor patamar histórico.
Durante o evento ‘Crédito Imobiliário: juros baixos, mais negócios?’, realizado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), com apoio do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP) e correalização do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai Nacional), ficou evidenciada pelos painelistas a necessidade de consumidores, empreendedores e financiadores buscarem novos modelos e fontes de financiamento para incorporação e aquisição de imóveis residenciais e comerciais em todo o país, a exemplo do crédito com garantia de imóvel.
“Em todas as economias estabilizadas, o mercado imobiliário tem papel fundamental e nós precisamos estar preparados, tornando as nossas empresas mais competitivas, entendendo que as coisas mudaram e que há muito a ser feito neste novo momento econômico. Por isso nos perguntamos se, com uma taxa Selic a 4,5% ao ano, teremos mais negócios a realizar”, destacou o presidente da CBIC, José Carlos Martins.
Exemplo desse novo mundo é que o volume de financiamentos habitacionais deve crescer 18% em 2020, após um crescimento de 15% em 2019, segundo a presidente da Associação Brasileira das Empresas de Crédito Imobiliário (Abecip), Cristiane Portella. “O país tem a base e as oportunidades de mercado para aumentar o percentual de participação do crédito imobiliário no PIB, com alternativas de funding, como a Letra Imobiliária Garantida (LIG) e o crédito com garantia de imóvel, o CGI. Temos que nos ambientar com as novas opções, pois podem faltar recursos para o financiamento com FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço] e poupança, cuja captação liquida está cada vez menor˜, ponderou Portella, ao abrir o painel Panorama Nacional.
A forte dependência do mercado por fundos tradicionais, como a poupança, encontra uma alternativa no home equity, termo em inglês para o CGI. “É o crédito mais barato que existe, inclusive mais barato que o crédito consignado. Estamos falando de um mercado que ainda está distante do seu real potencial”, defendeu o superintendente executivo de negócios imobiliários do Santander, Paulo Duailibi.
Taxa básica de juros mais baixa da história
A aclamada redução da taxa de juros nos últimos dois anos trouxe mais de 5 milhões de famílias para dentro do sistema de crédito e a expectativa do vice-presidente de habitação da Caixa Econômica Federal, Jair Mahl, é que em 2020 esse número aumente ainda mais. “É importante observar o setor da construção civil. A concorrência entre os bancos e a entrada de fintechs e outros players estimularam muito o mercado”, defendeu.
Mahl acredita que as taxas baixas trazem oportunidades e desafios, e que por isso os agentes têm que avançar. “Precisamos de produtos adequados, como a hipoteca reversa e a venda de financiamento, atrelados à essência do home equity. Apenas solução de capital de giro para pessoa jurídica, que é importante ter, não vai fazer crescer esse mercado. A Caixa olha com relevância para o produto, mas até agora nenhum banco trabalhou o real potencial dele”, apostou o vice-presidente, que destacou a importância do programa Minha Casa, Minha Vida por ele representar diminuição do déficit habitacional, incentivo ao crescimento econômico e geração de empregos.
Mudanças de marcos legais e regulatórios
Além das mudanças no cenário macroeconômico do Brasil, o diretor de Regulação do Banco Central, Otávio Damaso, citou as alterações ocorridas no arcabouço regulatório e legal e a entrada de investidores institucionais no mercado como alguns dos fatores responsáveis por atrair mais recursos para o setor. Ele também elencou a flexibilização das regras para aquisição de imóveis, a fim de permitir o uso de outras ferramentas para precificação dos bens.
Damaso ainda definiu em três pontos a agenda do BC para o setor:
- O registro de recebíveis imobiliários, construído junto com CBIC e Abecip, para dar segurança e melhorar a oferta de crédito, principalmente para construtoras de menor porte;
- O processo de registro de imóveis, para promover celeridade, redução de custo e segurança jurídica, digitalização e diminuição de prazo; e
- O open banking, propiciando acesso aos dados que podem ser explorados pelas instituições financeiras para desenvolver novos negócios.
A importância do crédito imobiliário para o país
Encerrando o primeiro painel, o presidente da Comissão da Indústria Imobiliária (CII) da CBIC, Celso Petrucci, lembrou que após a criação do Banco Nacional da Habitação (BNH) em 1964, foi o crédito imobiliário que propiciou a urbanização do Brasil e que por isso ele vê com ressalvas ideias de se acabar com o financiamento via caderneta de poupança e FGTS. “O juro futuro caiu mais de 40% nos últimos 20 meses. Além disso, o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) contratou 1,2 trilhão de reais na última década”, constatou.
“Não podemos perder de vista que o país só é o que é por causa do financiamento imobiliário, que vem há 50 anos funcionando. Mesmo no pior momento de crise dos últimos anos, a inadimplência nunca ultrapassou 1,9%, e hoje o estoque de financiamento às pessoas físicas no país alcança em torno de R$ 640 bilhões. Por tudo isso, o debate é importante para traçarmos novos horizontes”, justificou.
Experiências bem-sucedidas e novas oportunidades
Com o tema Opções para Fundings, o segundo painel foi aberto por Silvio Bezerra, presidente da Ecocil Incorporações, que relatou sua experiência exitosa com fundo de investimento internacional. “Rodamos o mundo em feiras de imóveis. Conhecemos uma empresa estrangeira para investir, reformulamos o nosso modelo de negócio e ficamos uma empresa fácil de fazer auditoria para receber capital estrangeiro, com planos de compliance, governança e meritocracia”, relatou.
Para Bezerra, a perspectiva do novo governo de fazer as reformas econômicas colocou o país de novo no radar do capital estrangeiro. “Estamos começando um novo ciclo e em termos de investimentos internacionais, 2020 e 2021 serão anos estrondosos, com um boom de investimentos internacionais no País”, analisou.
O crescimento dos fundos imobiliários testemunhado no Brasil em 2019 é sinal de que o país está saindo de uma crise para esse novo cenário econômico e regulatório, segundo Carlos Ferrari, sócio-fundador da Negrão Ferrari Advogados.
“Houve crescimento de 100% de ofertas públicas registradas. No ano passado foram constituídos 560 fundos de investimento imobiliários. As pessoas físicas estão ávidas para investir nesse mercado, pontuou.
Para Ferrari, o aumento de 200% do número de investidores no mercado de fundos imobiliários no último ano comprova a tendência de aceleração do ritmo de crescimento da indústria imobiliária. “O financiamento imobiliário vai ser a fonte principal daqui por diante, com redução do custo de captação ao buscar o crédito no mercado de capitais e não por vias bancárias. Fazer o alinhamento de interesses com o investidor também torna mais barata a captação”, recomendou.
Inovações tecnológicas e de modelo inevitáveis
Para Fernando Vita, diretor executivo da UBS Global Bank, a questão da poupança e do FGTS não é se vai haver essa mudança, é aceitar que ela vai acontecer, pois esses fundos estariam ficando defasados e outras maneiras de financiamento têm que existir. “É uma questão óbvia que o mercado está tendo um boom, com desenvolvimento e retomada da construção”, afirmou. Segundo Vita, o home equity vai estimular as pessoas a comprarem mais por causa da sensação de segurança causada, de que as pessoas podem tê-lo como renda.
Por sua vez, a presidente e cofundadora da Captalys, Margot Greenman, ressaltou a necessidade de formas inovadoras de crédito imobiliário, com uso da tecnologia digital, que gerem a conexão entre investidor e tomador. “Com a taxa de juros em baixa, certamente surgirão modelos alternativos de crédito e funding. Já estamos vendo uma maré boa de financiamento imobiliário competitivo vindo de fontes não-bancárias. Também esperamos ver operações estruturadas mais sofisticadas e com prazos maiores”, apontou.
Greenman lembrou que as pequenas incorporadoras tendem a ter maior dificuldade de acesso a crédito, seja do ponto de vista das garantias oferecidas, seja no que diz respeito às próprias condições do crédito, que tornam os negócios desses empreendedores menos competitivos. “A desintermediação permite modelos mais adequados a cada tipo de empreendimento”, definiu.
O CEO da Wiz Soluções, Heverton Peixoto, lembrou que a tecnologia está ajudando agilizar a operação de crédito imobiliário, que há alguns anos era totalmente dependente de um emissor bancário. “Criamos um fundo especializado em home equity, que tem atraído um volume colossal de recursos”, exemplificou.
Peixoto também ressaltou a chegada de crédito no atacado como uma mudança considerável e apostou na capacidade de crescimento do crédito com garantia de imóvel, que hoje representaria 3% do PIB brasileiro, enquanto que na Austrália chegaria a 82% e, na Alemanha, a 51%. “O recurso livre achou o caminho do home equity porque ele pareceu mais óbvio e proliferou a quantidade de fintechs nesse mercado. Quando os players estão oferecendo dinheiro para investir em home equity é porque as coisas estão mudando”, reforçou.
As apresentações foram acompanhadas por mais de 200 representantes da indústria da construção, presencialmente. Outras 700 pessoas acompanharam via Youtube o evento, que faz parte das ações do projeto ‘Melhorias para o mercado imobiliário’, iniciativa da CBIC, que conta com a correalização do Senai Nacional.
Fonte: G1.com
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